Gustavo Gasparani

Projeto Andrews 90 anos

Entrevista com Gustavo Gasparani

Rio de Janeiro, 11 de maio de 2007

Entrevistadora Regina Hippolito

 

Quando você nasceu? Onde passou sua infância?

 

GG: Nasci na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro, em 1967. Estudei no colégio Sarah Dawsey até os 10 anos, onde tive contato com o teatro. Depois vim para o Andrews, que era o colégio onde minha avó, minha mãe e minhas irmãs estudaram. Cheguei ao Andrews para fazer a quinta série, em 1978.

 

O primeiro contato que você teve com o Andrews foi na Praia de Botafogo ou na Visconde de Silva?

 

GG: Foi na Visconde de Silva, onde a quinta e a sexta série funcionavam; depois o primeiro e segundo ano na Praia de Botafogo, e o terceiro ano na Visconde de Silva.

 

Quais professores do Andrews mais se destacaram para você?

 

GG: Na quinta série a Salvadora, professora de Ciências; na sétima série tive uma professora de Matemática que eu amava, a Antonieta. Tive os professores de Química, Paulinho e Penha. Tive uma professora de Português, acho que a melhor professora que já tive, a Maria Emília. Tinha o Loureiro, professor de História, de quem eu gostava muito; e o Carlão, de Física, matéria em que eu era péssimo. Esses foram os mais importantes, os que eu gostava.

 

Você acha que o colégio foi importante na escolha da sua profissão?

 

GG: O Andrews foi importante na confirmação. Desde os três anos minha avó me levava ao teatro. Eu comecei a fazer teatro antes de aprender a escrever, a nadar ou outra língua. As duas coisas que mais gostava na vida eram o teatro e a fazenda dos meus tios, onde havia vacas, cavalos, etc. Quando cheguei ao Andrews não tinha teatro para a minha idade, só no Científico. No primeiro ano Científico, eu estava com 14 anos e pude entrar no teatro do Andrews, onde o Miguel Falabella dava aula. Minha turma era especialmente inspirada, muitos deles são pessoas bem-sucedidas.

 

Você mantém contato com eles?

 

GG: Todos eles. Drica, Olinto e Bel são meus sócios na Companhia dos Atores. Marisa Monte é minha amiga de sempre. Cristiane é excelente diretora. Tem ainda Edgar Amorim, Felipe Martins, Solange Padilha, Luciana Braga, somos todos amigos. A Luciana e a Solange eram mais velhas, assim como Edgar e Felipe, mas trabalhamos juntos nessa nossa profissão. Somos todos amigos. Com o Miguel Falabella eu tenho uma relação de professor, um carinho e uma admiração.

 

Como é a relação das escolas com o teatro?

 

GG: Eu estudei em duas escolas que tinham teatro muito forte. Quando vim para o Andrews, tinha uma aula de Arte com uma excelente professora chamada Marília, que é artista plástica. E nessa época eu estava descobrindo outra coisa que adorava, que era o samba. Hoje sou passista da Mangueira. O primeiro desfile que assisti ficou tão forte na minha cabeça que passei o ano inteiro desenhando a escola. E a Marília me incentivou a desenhar. Descobri esses desenhos há pouco tempo.

 

Como é tratado o teatro nas escolas do Rio de Janeiro?

 

GG: No Colégio Rio de Janeiro tinha teatro; tenho amigos que faziam teatro no Colégio São Vicente. Mas na minha época não havia nenhum teatro igual ao do Andrews da Praia de Botafogo. Na época do Miguel, com a nossa turma, montamos Cabaret, Rocky Horror Show. Quando viemos para a Visconde de Silva sofremos muito por causa do espaço físico. Hoje encontrei uma turma muito especial, são muito talentosos, inteligentes e cultos. Os pais são pessoas informadas e que incentivam.

 

Queria que você contasse uma pouco a história do TACA e de suas gerações.

 

GG: Na oitava série eu assisti uma peça montada pelo TACA chamada Sonho de uma noite de verão do Shakespeare, que tinha a Teresa Piffer, que era muito talentosa. Eu então disse: no ano que vem vou entrar. Quando começou, eu entrei um mês depois, mas tinha uma bagagem, eu tinha 14 anos e até os 10 anos tinha feito teatro intensamente. Ele estava montando um musical quando entrei, e rapidamente me destaquei dentro do grupo, apesar de ter feito um papel pequeno porque estava chegando depois. O Miguel era um excelente professor, no sentido de passar a paixão pelo teatro, o que acho mais importante. Na época o curso era diferente, eram três vezes por semana – segunda, quarta e sexta, de 12h30 as 14h30; aluno não pagava, fazia quem queria. O João Uchoa, que hoje é um arquiteto – foi ele que fez a Cidade do Samba –, nos ajudava a fazer os cenários. O teatro era o lugar onde se encontravam os desencontrados do Ginásio, e eu era meio desencontrado. Eu vim para o Andrews junto com quatro amigos inseparáveis. O colégio não deixou que nós quatro ficássemos na mesma turma. Meu pai, que conhecia os diretores do Andrews, conseguiu que eu escolhesse um para ficar na turma comigo. Eu escolhi o Mário Henrique, meu amigo até hoje. Os meus amigos da minha turma e do teatro são os mesmos até hoje. São amigos do Andrews que conheci com 11 anos. Acho que isso é uma característica do Andrews.

 

Das peças montadas, você destacaria alguma?

 

GG: Sonho de uma noite de verão deve ter sido em 1981. Antes, teve O tempo dos comes. Quando eu entrei, participei do Rock Horror Show e Cabaré. Tinha também o José Henrique, que hoje é diretor de teatro. Em 1984 nós não fizemos, eu já estava na Visconde de Silva me preparando para o vestibular. Em 1985 começou outra geração, Carol Aguiar, Drica, sob a direção do Miguel. Eu não fazia mais teatro quando montaram Happy End. Em 1990, a Bel Lacerda, que veio gerenciar vários cursos extracurriculares do Andrews, me perguntou se eu e a Bel Garcia não queríamos dar aula; ela, para as crianças na Visconde de Silva, e eu, para os adolescentes, na Praia de Botafogo. Comecei meio sem convicção, mas hoje adoro dar aula. Quando comecei as aulas eram segunda, quarta e sexta. Na minha turma eu tinha 20 alunos, 15 mulheres e cinco homens, e escolhi fazer A comédia dos erros, em que os personagens eram cinco mulheres e 15 homens. Fiz uma mudança e deu tudo certo. Isso foi em 1990. Em 1991, montei A aurora da minha vida. Em 1992, montei Hair. Ficou um mês em cartaz. Na época eu fazia a minissérie Anos Rebeldes. A secretária do colégio falava que ligavam mais para pedir ingresso para ver a peça do que para fazer matrícula. Abrimos mais sessões, Milton Nascimento foi assistir, Gilberto Braga, muita gente. Nessa época eu tinha 10 anos de profissão, Hair tinha servido como uma pós-graduação. Fiz a adaptação, a versão das músicas, coreografei e dirigi. Tinha a sorte de ter um elenco inacreditável, os meninos cantavam. Eles eram de uma geração cujos pais tinham sido hippies. Eram 40 adolescentes na turma. Depois tive uma turma de garotos muito novos e montei Uma rua como aquela, um livro que tinha gostado de ler na infância. Remontei A aurora de minha vida. Era uma turma mais frágil e eu estava esperando amadurecer. Depois montei O pescador e a sua alma, um conto do Oscar Wilde que adaptei. Entrou depois outra turma, que também era de musical, e montei A gota d’água, Bailei na curva, Ópera do malandro e A era do rádio. Depois viemos para a Visconde de Silva. Em 2000 não dei aula, em 2001 não fiz peça. E depois montei com eles Confissões de adolescente, através de textos deles, apesar da ideia ser do Domingos. Remontei Bailei na curva, montei Romeu e Isolda, que eram vários encontros amorosos. Em 2005 montei a História do Mundo, que continuamos em 2006, e vamos representar agora em 2007. Tem um elenco muito bom, eles escrevem muito bem. Vamos montar agora A origem da vida. Essa turma escreve bem comédia. Consegui que o colégio fosse um pouco além e vamos fazer uma temporada aos sábados. Fizemos intercâmbio com a Kabum!, que é a escola do Gringo Cardia, com o pessoal da periferia, que também tem teatro.

 

O Andrews na Praia de Botafogo tinha uma infra-estrutura fantástica para teatro: palco, camarim etc. Conte um pouco como foi montado isso, por quê e por quem.

 

GG: Eu fui dirigido pelo Ari Coslov. Ele fez teatro aqui com uma professora de Francês, madame Jacobina. Depois o Miguel estudou no Andrews e fez teatro no colégio. Minha turma tinha os melhores alunos: Felipinho, Edgar, Teresa Piffer, Teresa Seiblitz. Dos 25 alunos, pelo menos 15 são profissionais, e muitos premiados e bem-sucedidos.

 

Quem é que apoiava na Direção do Andrews?

 

GG: O Pedro tinha acabado de sair do colégio e fazia uma espécie de estágio, ele apoiava muito a gente. E o Edgar, que era o Diretor principal, apesar de ser muito rígido, fazia com que a escola bancasse cenário, luz. Quando deu muito certo o Rocky Horror e o Cabaret eles fizeram uma reforma, virou um teatro mesmo, era uma estrutura legal. Fazia-se cartaz, era liberado orçamento, comprávamos tudo e depois prestávamos contas. Éramos muito independentes, desbravadores, não esperávamos ninguém fazer. O cenário de Cabaret tinha muito metros de lamê, cenário de madeira, construído e pintado. O engenheiro ia mostrando e nós íamos fazendo. Cada um trazia o seu melhor figurino.

 

Como ficou a situação do TACA com a mudança de todo o colégio para a Visconde de Silva?

 

GG: Demorou um pouco para encontrar sua cara.

 

Agora você tem mais proximidade com as séries mais novas?

 

GG: Tenho com a sétima e a oitava séries, que não tinha antes. Quando todos os alunos vieram para a Visconde, eles conheciam aquele teatro com 200 cadeiras, com passarela, palco, coxia, cabine de luz; isso impressiona o aluno. É outra coisa entrar nesse auditório da Visconde. Aos poucos, os alunos perderam aquela referência e foi melhorando. Há três anos, quando começamos o processo da peça História do Mundo, eu estava pesquisando um espetáculo sobre o teatro. Eles não quiseram fazer sobre a história do teatro e sugeriram a história do mundo. Eu pedi que os professores de História de todas as séries listassem os 20 tópicos mais importantes da história da humanidade. Peguei a lista e comecei a escrever, montei uma cena e mostrei a eles. Os mais espertos começaram a ver o jeito como eu fiz e na aula seguinte um deles trouxe uma cena. Eu gostei. Resolvi escrever o início da peça. Outro aluno pegou aquela ideia inicial e fez um texto bacanérrimo. Então a peça tem um roteiro que é meu, escrevi as minhas cenas, depois escrevemos outras juntos e do meio para o final eles escreveram sozinhos. Depois resolvemos montar outra peça, e eu decidi não escrever nada. Eles escolheram o tema A origem da vida, pedi que eles escrevessem e me mandassem. Eles adaptaram Monty Python, que eles adoram. Eu achei que estava inglês demais, um universo que não era o deles, e sugeri fazer a nossa origem da vida. Fomos então transformando. Este ano estamos fazendo com eles escrevendo, só estou dirigindo.

 

Seu curso aqui é extracurricular?

 

GG: É. Hoje em dia é só uma vez por semana, às sextas-feiras, porque agora os alunos estudam o dia inteiro.

 

Você acha que devia haver uma integração maior de teatro e artes com o currículo formal da escola?

 

GG: Eu acho que o curso de teatro deveria ser obrigatório. Ninguém deveria ser obrigado a fazer aula de teatro ou de artes, mas o colégio deveria oferecer para todos, vai quem quer. Eu estudei numa época em que tudo era compartimentado. A minha formação, porque não fiz uma faculdade, foi feita através das peças. Acho que só iria contribuir se tivesse essa visão de integração. Na época do Lucas, por exemplo, era uma geração que desconhecia música popular brasileira, resolvi montar com eles A gota d’água, Ópera do malandro, a partir daí eles iam conhecendo os músicos, as músicas, os cantores, que para eles já eram cantores de gerações passadas como Caetano, Chico, Bethânia. No final, radicalizei e fiz A era do rádio, eles faziam pesquisa na internet sobre o rádio na década de 20, na de 30, etc. Ficaram sabendo sobre Orlando Silva, Cauby Peixoto. Junto com isso, aprendiam a história do Brasil, porque a peça contava a Era Vargas, o Estado Novo, a política da boa vizinhança, Carmem Miranda. Isso é uma forma de educar diferente.

Hoje, em cadeiras como capoeira, acredito que o professor não só dê os passos, mas também diga alguma coisa sobre a origem afro-brasileira da capoeira.

 

Com essa nova Direção do Andrews, essa reunião do colégio todo em 2001 na Visconde de Silva, você viu alguma mudança significativa nos rumos do ensino de Artes do colégio?

 

GG: Eu tenho que estar no Andrews. Estudei aqui dos 11 anos aos 17, de 1985 a 1989 fiquei fora e em 1990 voltei dando aula. Tenho uma ligação muito grande com o colégio. Acho que tanto o Pedro quanto a Ana Carolina também têm isso, o Pedro adora o teatro. Os alunos estão felizes, estão gostando de fazer o curso.

 

Você quer acrescentar alguma coisa?

 

GG: Acho que o Andrews tinha na minha época, simbolizado pela mangueira no pátio, algo que passa pelos Flexa Ribeiro, que é uma coisa muito afetuosa, de amizade, sinto que as pessoas ficam amigas durante anos e mantêm os grupos de amizade. Tenho amigos do teatro que hoje são profissionais, e tenho os meus amigos do Andrews, um é dermatologista, outra é programadora visual, outra pediatra, outro trabalha com produção de música, outro médico. A Beth Carvalho se encontra com um grupo de ex-colegas do Andrews. Isso é uma peculiaridade do Andrews.

 

O Andrews vai fazer 90 anos. O que você acha que faz com que o colégio se mantenha?

 

GG: Um dia eu, estava conversando com o Pedro e a Ana Carolina, e eles falaram que não estavam educando para fazer o vestibular, estavam educando uma criança para a vida. Tem que ensinar ética. Isso passa de alguma forma. Minha mãe estudou com o Edgar, então eu tenho uma relação que extrapola o lado profissional. Acho que minha avó estudou com a mãe do Edgar. Eu sou ator e para mim foi importante fazer teatro na escola, para mim e para todos esses alunos atores, bailarinos e cantores. Tinha uma menina que no primeiro ano não conseguia falar, no segundo ele fez um papel de protagonista na peça Bailei na curva. Eu sinto que a turma vai ficando amiga, vai se solidificando um elo entre eles. Eles não acreditam que são capazes de montar uma peça de teatro, e, quando dá certo, dá uma satisfação, uma sensação de poder, de auto-estima. Depois eu falo para eles: agora vão fazer o que vocês quiserem vocês são capazes. No curso de teatro você fica ligado ao aluno como ser humano. Teatro é um ato de afeto o tempo inteiro. Você está proporcionando ao aluno um autoconhecimento, uma descoberta do próprio corpo, uma descoberta do seu afeto, do seu relacionamento com o outro. Eles têm que se expor, que observar o outro. Eles estão o tem inteiro interagindo e se experimentando.

 

Muito obrigada pelo seu depoimento.

 


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