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Sobre a Reforma do Ensino Médio – por Pedro Flexa Ribeiro

Nos últimos anos, todos os setores vêm sofrendo o crescente impacto da acelerada revolução midiática. O fato de as novas gerações estarem socializando já imersas em tecnologia aumenta o fosso entre as gerações. Isso impacta os sistemas de ensino do mundo inteiro, que precisam se adaptar à nova realidade. Em meio a essas intensas modificações, as escolas estão sendo colhidas à sua revelia. Professores e educadores precisam reagir em tempo real. 

No debate sobre a Reforma do Ensino Médio, que deve passar por novas mudanças que serão implementadas já em 2025, os setores envolvidos recorrem a argumentos de 3 diferentes ordens, que convém distinguir:

  • A estrutural, que está ligada a deficiências básicas crônicas e inadmissíveis nas escolas brasileiras, como falta de conexão, saneamento básico, entre outros;
  • A circunstancial, sobre os impactos da pandemia, agora que vivemos como consequência as perdas de aprendizagem.
  • E, por fim, a dimensão essencial, que é o debate curricular e o que de fato cabe aos alunos aprenderem. E é na perspectiva dos seus legítimos interesses que devem ser dados os encaminhamentos e concebido o currículo que lhes convém. O bom debate sobre o currículo requer que se parta dessa constatação.

 A pauta deve ser prioritariamente curricular. Afinal, os atuais alunos integram as gerações de brasileiros que estarão atuando no mercado de trabalho nas décadas de 2040, 2050 e 2060. Estamos convocados a discernir que tipo de trajetória poderá melhor prepará-los para o cenário que encontrarão.

A diversidade curricular é necessária por duas razões:

  • Para o estudante: oferece a cada um deles o direito de escolher o itinerário formativo que faça sentido para a sua perspectiva, no qual ele encontrará conteúdos pertinentes com o seu Projeto Pessoal de Vida, tornando a escola mais atrativa, criando aderência e evitando a evasão precoce.
  • Para a escola e professores: a parte flexível do currículo é a margem onde escolas e professores podem inovar e conceber, a seu critério, atualizações que tornem as instituições mais contemporâneas das gerações que nos chegam hoje.

Todo o resto do mundo já navega em um ambiente curricular bem mais diverso e menos centralizado. Mas nosso sistema de ensino é engessado e padronizado. Funcionamos sob tutela do Estado desde muito tempo, uma característica que atravessou o Império e se estendeu pela República. Fica evidente o predomínio do espírito de centralização e controle, apenas interrompido por breves respiros de descentralização e efetiva liberdade de ensino. No século passado, a centralização esteve mais evidente nos períodos Vargas e nos governos Militares. A redemocratização dos anos 1980 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, trouxe o aceno de maior liberdade de ensino.

No entanto, nas últimas décadas, o desenvolvimento tecnológico e o robustecimento dos sistemas de avaliação em larga escala possibilitou que esse tenha passado a ser o eixo propulsor da centralização curricular, que atingiu o paroxismo através do Novo ENEM, realizado a partir de 2009. 

Fracasso e evasão

Da experiência com o currículo unitário, o Brasil tem colhido resultados sempre insatisfatórios que apontam, sistematicamente, para a repetência, o fracasso e o abandono escolar. Frente ao que se pratica em outros países, o currículo unitário e centralizado é uma espécie de excentricidade brasileira, que consagrou o Ensino Médio como sendo o segmento que afasta da escola as juventudes menos favorecidas, justamente as que mais precisam dela.

É preciso considerar que o currículo do Ensino Médio está congestionado por excesso de conteúdos, sem pertinência na escola de Educação Básica. De fato, o repertório até aqui praticado era reflexo de contexto de escassez de informações e, por isso, enciclopédico. Tal fato conduziu a uma hipertrofia e a um estreitamento do currículo, o que empobrece a margem para escolhas, sobrecarrega os estudantes e gera fracasso e abandono.

Muitos pontos do atual programa em vigor no Ensino Médio não têm mais pertinência nem na Formação Geral Básica, nem em Itinerário algum. Eles não pertencem à Educação Básica e deveriam ser endereçados para as graduações. Urge que se crie um fórum em que a Educação Básica e as graduações possam atualizar quais devem ser, nos tempos atuais, os pré-requisitos e as condições para ingresso no ensino superior.

A Formação Geral Básica (FGB) e a importância da parte flexível do currículo

Fazer escolhas é algo que se ensina e se aprende, e o melhor momento para isso é no Ensino Médio, em processo amparado por Orientação Profissional, tendo como propósito os primeiros esboços do Projeto de Vida. Faz parte desse aprendizado a compreensão de que toda escolha implica necessariamente algum tipo de renúncia. A diversidade curricular nos conduz a um cenário em que, assegurada uma Formação Geral Básica (FGB), nem todos terão acesso a tudo. Haverá escolhas e renúncias.

Em 2025 já não cabem mais currículos enciclopédicos, nem programas e abordagens cujos prazos de validade já venceram. Tudo isso repele, causa fracasso, desistência e abandono. Vencer a evasão, reter o aluno, tornar a escola atraente, fazer com que ele enxergue relevância e sentido: o currículo deve dialogar, ter aderência com o Projeto de Vida de cada um. 

Dois pontos principais merecem atenção:

  1. É equivocado pretender um suposto equilíbrio entre as cargas de diferentes disciplinas. É próprio e constituinte da diversidade curricular a coexistência de diferentes ênfases. O estabelecimento de hierarquias é natural e universal, cada sistema de ensino valoriza o ensino do idioma nacional e a Matemática. A pretensão de equilíbrio ou de “não hierarquização” não encontra amparo nem antecedente em currículo algum. 
  2. Como foi dito acima, renúncias fazem parte de escolhas. Em um cenário de diversidade curricular, é natural que nem todos tenham acesso a tudo. Direitos básicos de aprendizagem serão assegurados na FGB. O que a exceder deve-se a aprofundamentos específicos de cada Itinerário Formativo. 

A importância do ENEM nas mudanças

O processo seletivo para o nível superior desempenha um papel fundamental para a Reforma Curricular. A depender de como for conduzido, ele será fator indutor das mudanças necessárias, sinalizando para as escolas como ofertar a seus alunos itinerários relevantes e que dialoguem com seus Projetos de Vida. 

Em outros países esse é processo que considera diversas etapas e critérios, incluindo o desempenho do candidato em exames de Estado. Mas é concedida a cada Universidade o controle sobre o seu processo seletivo e a definição das condições para admissão em cada curso de graduação. 

Diferente disso, no Brasil optou-se, desde 2009, por transferir integralmente o controle do processo para o INEP, autarquia ligada ao MEC, e restringir o processo seletivo ao ENEM. Ao mesmo tempo que abduziu das universidades federais a definição do seu processo de ingresso, essa estratégia de centralização conferiu ao INEP uma enorme responsabilidade pelo que se ensina e o que se aprende no Ensino Médio de todas as escolas do país. Ao cabo de 13 edições, o novo ENEM trouxe como sequela fazer com que a padronização, a hipertrofia e o estreitamento do currículo atingissem o seu paroxismo. O resultado colhido aponta, mais uma vez, para o desestímulo e afastamento dos estudantes, que abandonam o Ensino Médio.

Sendo o sentido das avaliações em larga escala a promoção da qualidade nas práticas pedagógicas, recai sobre o avaliador o dever de conceber os exames de forma a reverter essa tendência. A Reforma Curricular propõe a Orientação Profissional e a definição do Projeto de Vida como estratégia para conferir relevância à trajetória escolar. Por isso, o ENEM teria o importante papel de induzir escolas de todo o país a ofertarem itinerários que tenham aderência ao Projeto de Vida dos alunos.

A efetiva implementação da Reforma depende de que o ENEM avalie os itinerários Formativos. O INEP não deve se omitir nem se abster dessa providência, sob risco de perpetuar por ainda mais tempo a nossa característica de um currículo único e engessado pelo chamamento de processos seletivos unificados. A avaliação do futuro é a que favorece a inovação. E é em função da instalação dessa nova realidade que o ENEM deve ser concebido.  

Direitos dos estudantes

De todos os públicos envolvidos nesta reforma, o mais interessado é formado por estudantes e pelas próximas gerações de brasileiros. 

A liberdade de ensino não se refere apenas à prerrogativa de quem ensina, mas sobretudo a direitos de quem aprende: os estudantes brasileiros. Tratamos aqui de um direito inalienável e incondicional. Em uma democracia que preza pela liberdade de pensamento e de ensino, nenhuma instância tem legitimidade para condicioná-lo.  

Essa promessa vem sendo protelada há décadas. É nosso dever oferecer aos jovens opções curriculares pertinentes, escolhas consistentes, dignas do nome. Já não cabe centralizar e subordinar essa determinação a uma agência central. Nenhum argumento é válido para postergar ainda mais o que vem sendo prometido. Não faz sentido revogar o avanço onde ele existe.

Cada estudante brasileiro deve ter atendidos os seus direitos básicos de aprendizagem na FGB. Cada estudante brasileiro tem direito ao acesso a Itinerários Formativos pertinentes e que correspondam à sua realidade, perspectiva e Projeto de Vida.

Cada cidadão brasileiros tem direito a escolher para seu filho o tipo de escolaridade que corresponda às suas perspectivas. Cada contribuinte espera comprovações da eficácia e do impacto positivo obtido pelo bom emprego dos recursos arrecadados. Cada eleitor tem expectativas a serem correspondidas.

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