Terezinha Saraiva

PROJETO MEMÓRIA ANDREWS 

TEREZINHA SARAIVA – EDUCADORA 

TRABALHOU COM CARLOS FLEXA RIBEIRO NO GOVERNO CARLOS LACERDA

ENTREVISTA  CONCEDIDA A MÔNICA CHAVES E PEDRO FLEXA RIBEIRO EM 05/06/ e 10/07/2019.

 

           Carlos Lacerda  era Secretário de Educação. Eu conheci seu pai assim. Eu era professora e diretora de uma escola no Morro do Salgueiro, uma escola pública. Modéstia à parte, eu tinha feito um trabalho bonito. Quando eu assumi a diretoria, após ser professora por anos, mandei abrir o portão da escola, e o trabalho se agigantou para a comunidade.

 No dia 20 de agosto de 1960, Carlos Lacerda, que era candidato, subiu o Morro do Salgueiro. A imprensa anunciou a visita. Eu recebi um telefonema do meu chefe de distrito, a mando do secretário de Educação, dizendo que eu estava proibida de receber Carlos Lacerda. Eu respondi: “professor, desde que assumi a direção da escola, mandei os guardas embora, abri os portões para toda a comunidade. Eu vou recebê-lo. Mas prometo não dizer que vou votar nele.” Eu era lacerdista, e embora nunca tenha me envolvido na política, o admirava muito. 

Quando chegou o dia 20, um sábado, eu estava na escola. Era uma escola pobre, mas eu tinha uma relação tão boa com uma comunidade que todo ano eu pintava a escola, conseguindo material com as casas da redondeza. A escola era um brinco. Nós tínhamos um pátio grande, e na hora do recreio eu ficava com os alunos, aproveitando para passar hábitos de higiene, comportamento social. Quando vi, estava chegando a comitiva do Carlos Lacerda, com Amaral Neto, Afonso Arinos, muita gente. Junto com eles estava o proprietário da casa, que era alugada, o senhor Antônio Valente. O Lacerda disse: “quem é Terezinha? Eu vim aqui porque em todos os barracos que visitei, só ouvi um nome: o seu.”

Pedi que ele entrasse. Ele visitou uma escola toda e conversamos muito. Trocamos ideias sobre educação. Eu contei a ele o que tinha feito, como tinha chegado à comunidade. Na saída, ele me disse: professora, eu vou precisar muito da senhora.  Eu respondi que se fosse para ajudar eu teria muito prazer. Na época, o Tribuna da Imprensa publicou uma página inteira com nossa foto sob o título “Lacerda encontra no Salgueiro professora com seus ideais”. No dia seguinte, fui chamada ao Distrito Educacional, onde me disseram: professora, gostamos muito do seu trabalho, mas a senhora, no fim do ano, vai sair dessa escola. Fiquei muito triste, pois amava aquela escola! 

De tudo que eu já pude fazer no estado, considero aquele o trabalho mais importante da minha vida, porque estendeu-se à comunidade. Fiquei muito triste. Então chegou o dia de 3 de outubro, houve a eleição e Lacerda foi eleito. Passado algum tempo, a posse ocorreu no dia 5 de dezembro. Certo dia, estava eu no gabinete trabalhando, tocou o telefone e era o governador Carlos Lacerda. Ele me disse: estou viajando para o exterior e quero recebê-la antes, na casa do senhor Flexa Ribeiro, que vai ser meu secretário de Educação.

Ele marcou dia e hora.  O governador virou-se para o Flexa Ribeiro e disse: ouça, essa moça. Faça na Guanabara o que ela fez no Morro do Salgueiro.  Então saiu, e fiquei conversando com o Flexa Ribeiro. Ele me pediu que fizesse um relatório sobre o trabalho que vinha desenvolvendo. 

Então eu o conheci antes de ele assumir. E não tivemos mais contato. Em janeiro, recebi um telefonema dele: professora, estou compondo um grupo de expansão do ensino primário e gostaria que a senhora me ajudasse. Era janeiro de 1961. Aceitei participar do grupo. Algumas pessoas eu já conhecia, de outras tornei-me amiga. 

Com esse trabalho, nós, conseguimos ouvir todas as diretoras de escola. Avaliamos as plantas da escola, o número de estudantes, e só com a redistribuição de turmas e de espaços, conseguimos absorver 35 mil das 100 mil crianças que estavam fora da escola. Esse foi o princípio do Plano de Construção. Quando acabou esse trabalho, o Flexa me chamou e disse: o governador pediu para senhora ir tomar conta do SIN (Sistema de Internamento) que, naquela época, era ligado à secretaria de Educação – depois passou para a secretaria de Serviço Social. Perguntei se eu poderia levar o grupo que eu conhecia e fomos trabalhar. Não me recordo o número, mas eram muitos colégios internos, principalmente na área de Jacarepaguá. Eu era contra o internato. Eram crianças pobres, algumas órfãs, que eram encaminhadas para internatos.

E nós fomos. Cada vez que eu recebia uma família que queria internar o estudante, eu aconselhava a matricular em uma escola. Nós visitávamos todos esses internatos. Éramos oito pessoas e, ao final de um mês e meio, fiz um relatório sobre o que tinha encontrado e o que achava. Nesse meio tempo, a Sandra Cavalcanti assumiu a secretaria Serviço Social e assumiu a gestão. Eu apresentei minha sugestão  e ele me nomeou chefe do distrito educacional. Em abril, assumi o 20º distrito, de Jacarepaguá, justamente na área dos colégios internos. 

MÔNICA: Só para entender a organização: a secretaria se subdividia em distritos educacionais, e cada região da cidade era subordinada a um distrito educacional?

Sim. Quando eu fui secretária, dez anos depois, mudei o nome, mas mantive essa divisão. Hoje são as chamadas CREs (Coordenadorias Regionais de Educação). Bem, fui para Jacarepaguá, onde trabalhei de 1961 a 1963. Em 1963, Carlos Flexa Ribeiro me chamou. Àquela altura eu já tinha um relacionamento muito bom com ele. Tenho escritos dele com elogios ao meu trabalho. O Antônio Carlos Azevedo era o diretor do departamento de Educação. 

PEDRO: Ele foi coordenador de História do Andrews.

Antes dele, o diretor era Francisco Pereira Lima que foi deputado, e que também fez um bom trabalho. Então, eu assumi o Departamento de Educação Primária e o Antônio Carlos tornou-se assessor do Carlos Flexa Ribeiro. Um belo dia, eu estava em casa, tocou o telefone e era seu pai, ligando do Palácio Guanabara.  Teresinha Carlos Lacerda vai falar com você.Professora, vou quebrar o protocolo e convidá-la para ser minha secretária de Educação. O Flexa, como a senhora sabe, vai se desincompatibilizar e concorrer à governança. Quero dar uma secretaria à senhora. Eu lhe devo isso desde que a conheci no Morro do Salgueiro. 

Então eu assumi. Vou contar rapidamente minha posse: quando cheguei ao Palácio – a posse estava marcada para às 17 horas  – o governador estava em São Paulo e ainda não havia chegado. Demorou um pouco e, quando finalmente chegou, me perguntou: a senhora está preparada? Eu disse: estou. E me dirigi para o Salão Verde, onde era posse.  ”Não, assuma no Jardim do Palácio. Tem mais de três mil pessoas. “

Essa lembrança eu nunca esqueci. Quando cheguei no jardim do Palácio, que era lindo, já no cair da tarde, o repuxo funcionando, junto com seu pai, lembro-me de ver um mar de professores. Eu era a primeira mulher, a primeira professora primária, a ser secretária de Educação no Brasil. No fim da multidão, tinha uma quantidade enorme de pessoas pretas com uma faixa onde havia escrito: “O Salgueiro saúda a sua professora”. Chorávamos eu, seu pai e o governador. Foi um momento da minha vida que jamais esqueci.

Um dia, o governador me telefonou: “eu queria que a senhora ajudasse na campanha, indo à televisão e a todos os comícios”. Meu marido não aceitava isso. Não gostava que me envolvesse com política. Uma complicação. Mas fui, passei a participar de todos os comícios. Nunca havia feito um comício na rua. 

Quando Lacerda teve um problema cardíaco, que o levou a ser internado em Bangu, ele mandou alguém me ligar e pedir que eu acompanhasse o Rafael de Almeida Magalhães em todas as inaugurações. Eu o acompanhei, trabalhei muito na campanha. Foi uma injustiça o Flexa Ribeiro não ter sido eleito.

PEDRO: Gostaria que você contasse sobre algo de que falavam muito. Houve um censo escolar no começo do governo, e uma equipe identificou que uma maneira de ter um melhor aproveitamento das escolas que já existiam era o rodízio com os dias de recesso.

Eu participei dos dois censos escolares. A Guanabara foi o primeiro estado que cumpriu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que previa esse levantamento.

MÔNICA: Foi no início do governo Lacerda, em 1961?

Foi, no segundo eu já era secretária.

PEDRO: A Lei nº 4.024 é de 1964.

Nós levantamos nomes e endereços de todas as crianças que estavam fora da escola.   No ano seguinte, já por orientação do Carlos Flexa, o Lacerda fez o decreto de obrigatoriedade escolar. Havia 100 mil crianças, no princípio, fora da escola. O rodízio foi uma proposta da Associação Brasileira de Educação, a professora Juracy Silveira foi quem sugeriu isso ao seu pai. Com essas duas medidas – o estudo da acomodação das crianças na escola, de que eu participei, e o rodízio –, conseguimos absorver a todos. No ano seguinte ao censo já tínhamos o decreto de obrigatoriedade escolar e, nas escolas, as placas “há vagas nesta escola”.

MÔNICA Como funcionava o rodízio?

A folga nas escolas era fixa, às quintas-feiras, e aos sábados havia aulas. Com o rodízio, agrupávamos cinco turmas e cada uma folgava em um dia.  Assim, a escola podia receber mais uma turma, mantendo as salas sempre ocupadas.  A turma volante ocupava a sala que estivesse vaga naquele dia.  Foi uma solução muito interessante. 

Dez anos depois, assumi a secretaria de Educação e Cultura do município do Rio de Janeiro, na época da fusão, entre 1975 e 1979.  O prefeito era o Marcos Tamoyo.  Tínhamos sido companheiros no governo Carlos Lacerda, quando ele foi secretário de Obras e eu de Educação. Não tínhamos mais nos encontrado, até que um dia, ele me telefonou já à noite. Eu era do Conselho Federal de Educação naquela época, trabalhava no IPEA.  Ele me disse: Terezinha, acabei de ser convidado para ser prefeito.  Você é minha secretária! 

- Tamoyo, eu estou trabalhando na área federal.

- Não senhora, você é minha secretária, a peça central da Educação é você. 

Fizemos um trabalho muito bonito, conhecido no Brasil todo. Recebi duas medalhas internacionais por esse trabalho, da França e da Venezuela. Foi o primeiro governo após fusão do estado da Guanabara ao estado do Rio de Janeiro. O Faria Lima era o governador, Marcos Tamoyo o prefeito, e eu secretária de Educação e Cultura. Foi um trabalho muito bonito. Repeti tudo o que aprendi com Flexa Ribeiro: fiz o censo escolar e criei a Bolsa da obrigatoriedade escolar. Quando seu pai foi deputado federal eu estava no Conselho Federal de Educação e costumávamos almoçar no Hotel Nacional. Um dia, ele me disse: Terezinha, tive uma ideia que não me ocorreu na época que fui secretário.  Crie a Bolsa de Obrigatoriedade Escolar.

MÔNICA: Como era a bolsa?

Quem não conseguisse matrícula em uma escola até dois quilômetros da sua casa, tinha direito de se matricular numa escola particular mais próxima, paga pelo município.

MÔNICA: Essa ideia foi do Flexa Ribeiro?

Foi dele para mim. Uma ideia pioneira. Havia vários tipos de bolsa, como a bolsa de compensação, mas nenhuma desse tipo. Então, criei a Bolsa da Obrigatoriedade Escolar, mantendo as que já tínhamos desde a época dele. Um ano depois estávamos cobrindo, também, todo o material escolar.

PEDRO: Sobre essa questão da qualidade da escola pública. Nas épocas anteriores, ela era satisfatória. Pelo que eu entendo, houve um momento ótimo?

Você sabe que diziam que o Lacerda tinha interferido na Lei de Diretrizes e Bases, favorecendo a escola particular, o que não é verdade. Ele fez um trabalho extraordinário.

PEDRO: Eu estudei Pedagogia. A História da Educação que me ensinaram na faculdade mostrava uma guerra entre escola pública e particular. A Lei nº 4.024 é considerada privatista e excludente! 

Quando fui secretária pela segunda vez, eu era muito mais experiente. Tinha trabalhado cinco anos no IPEA, coordenando a área de Educação, e aprendi planejamento, o que me ajudou muito. Criei um serviço de supervisão da escola particular. 

PEDRO: Funciona bem, não é? Não tem que ser uma guerra.  Olhando em retrospectiva, houve um momento em que a coisa estava satisfatoriamente equilibrada. O que me espanta hoje é a notícia de que faltam vagas em escolas. A rede municipal, hoje, não dá conta, não tem vaga. Cinquenta anos depois.

Eu encontro frequentemente pessoas que trabalharam comigo, que dizem: “professora, que saudade daquele tempo”. Nunca mais aconteceu nada igual.

MÔNICA: A que você atribuiu isso? Havia mais verba? Educação era uma prioridade maior? O que caracterizou esse momento?

Nós atendíamos naquela época... havia acabado aquela história de que as crianças desfavorecidas não tinham acesso à escola.

PEDRO: Isso estava superado, não é? O Rio de Janeiro chegou a esse ponto.

No ensino primário, que são as cinco primeiras séries do Fundamental, nós praticamente atingimos a universalização. Essa questão teve um enfrentamento muito grande, mas a qualidade não acompanhou. Dez anos depois, quando assumi a secretaria municipal, eu visitava muito as escolas e entendi que tínhamos que fazer um trabalho diferente. As crianças que frequentavam as escolas não eram iguais às de antigamente, e as professoras também não, lamentavelmente. Na época de seu pai, todas passavam pelo Instituto de Educação, que tinha um ensino superior ao de hoje. Eu sou formada pelo Instituto de Educação, não fiz ensino superior. Quando comecei a trabalhar, me interessei tanto pela direção no Salgueiro que esqueci que queria continuar a estudar.  Mas, Pedro, eu participei do Conselho Federal de Educação por dez anos, dois mandatos, e nunca tive dificuldade de trabalhar com mestres, doutores. O ensino do Instituto era maravilhoso.

Qual é o seu objetivo? 

PEDRO: Resgatar essa história. Fico muito impressionado com os apagamentos. Em especial este capítulo da história, por questões políticas, há um pacto de silêncio quando se fala sobre a questão da Educação. Não se fala disso. Eu fico um bocado perplexo.  As “fake news” são uma forma de distorcer uma narrativa. Mas a notícia falseada, hoje em dia, você pode checar em uma agência de notícias se procede ou não. O apagamento e o esquecimento, não. 

No Governo Carlos Lacerda não se registrou o trabalho realizado. Cada secretaria fez um resumo do que foi o trabalho, mas não se fez um livro registrando. Na gestão do Tamoyo aconteceu a mesma coisa.  A Belita (Maria Isabel Tamoyo da Silva) assumiu a publicação de um livro sobre o trabalho dele. Eu fiz, outros dois secretários fizeram, os outros não, e o livro também não saiu. Uma pena. Eu entreguei todo meu acervo, do tempo que fui secretária municipal, para o arquivo que eu construí.  

Quando Carlos me telefonou convidando para ser secretária, substituindo seu pai, ele me disse o seguinte: “professora, sobre educação eu não preciso dizer nada à senhora.  Mas quero lhe pedir uma coisa na área de cultura”. Eu era secretária de Educação e Cultura. “Eu queria que a senhora terminasse as obras do Teatro João Caetano, que a senhora fizesse a obra na casa da Marquesa de Santos para fazer o Museu do Primeiro Reinado, e que arranjasse um lugar para transferir o Arquivo da Cidade.” Eu já tinha marcado uma reunião no Jardim de Infância Campos Salles, na Praça da República, dentro do Campo de Santana, na tentativa de levar as crianças para outra escola e lá fazer o arquivo. Nesse tempo o Carlos saiu. Fui para a reunião. Os pais não aceitaram a transferência de jeito nenhum.  Fiz a Casa do Primeiro Reinado, consertei toda a casa da Marquesa de Santos, consegui fazer o João Caetano, mas não consegui o arquivo. 

Dez anos depois, quando fui convidada pelo Marcos Tamoyo, cheguei à secretaria e descobri que o Arquivo da Cidade ainda estava no mesmo lugar, no Centro Histórico.  Ocupava três salas, em cima de uma gráfica e de uma oficina de conserto de móveis de escola. Estava pior do que eu tinha visto em 1965. Havia vidros quebrados, estava tudo escangalhado.  Saí de lá direto para o prefeito Tamoyo e falei: “Tamoyo nós temos um compromisso com a cidade do Rio de Janeiro. Quando Carlos Lacerda me convidou, pediu que eu fizesse algumas coisas, mas não tive tempo para cuidar do Arquivo. Vamos assumir agora o compromisso de fazer o Arquivo da Cidade.” Ele disse: “está na mão”. Ele tinha esse hábito de dizer “está na mão” quando concordava com uma ideia. 

O prefeito então conseguiu um terreno na Presidente Vargas. Eu fui ao Ney Braga, que era ministro, com quem me dava muito bem. Ele disse: “vou ajudar”, e liberou uma importância boa, mas que não cobria tudo. Na moeda da época, foram 40 mil. O Tamoyo conseguiu fazer um remanejamento e nós construímos o Arquivo da Cidade em cinco meses.  Enquanto isso, consegui recuperar todo o acervo. Contratamos um alemão para limpar os daguerreótipos de Augusto Malta. Tive um excelente diretor de Cultura, o comandante Martinho Cardoso, que conheci pouco antes. Ele era da Marinha e tinha um interesse cultural muito grande. 

Esqueci de dizer uma coisa a vocês.

Fui convidada a participar do grupo da fusão do estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro. Havia um grupo de cada área. A Myrthes Wenzel era chefe do grupo de Educação.  Dentro do grupo, lutei o tempo todo para ter uma secretaria municipal de Educação e Cultura. Pela história do Distrito Federal e do estado da Guanabara. A Myrthes não queria de jeito nenhum. No último dia, ela disse: “Terezinha, sente-se ali e imagine a secretaria”.  Eu jamais pensei que eu seria a secretária, nem que o Tamoyo seria convidado, e desenhei a secretaria de Educação e Cultura do município. Quando ele me convidou, eu disse: “Tamoyo, você não sabe o que aconteceu”. Contei a ele. Fui ao seu escritório e mostrei o modelo que serviu para o desenho de todas as secretarias. Uma história muito bonita. Eu coloquei todas as ideias do seu pai, além das minhas, que eu tinha absorvido durante aquele tempo.

PEDRO: Você se lembra do arquiteto dessas escolas?

Francisco Bolonha. Quando eu fui secretária pela segunda vez ele trabalhou comigo também. Eu fiz 52 escolas, aí já para o ensino fundamental completo, várias delas já com oficinas de iniciação ao trabalho.

PEDRO: O Negrão de Lima terminou, bem ou mal, o que estava funcionando. Aquela escola próxima à Cobal, Joaquim Abílio Borges, tem a mesma arquitetura do Bolonha, mas foi inaugurada em 1966, pelo governador Negrão de Lima. Devia estar em construção quando ele assumiu.

Mas essas últimas escolas, do tempo do seu pai, ele, ele conseguiu um empréstimo da Usaid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional).  Eu assumi a secretaria e completei as escolas. Eram 22. O trabalho, felizmente, ficou tão bem feito que a Usaid converteu o empréstimo em doação. Fui convidada para ir aos Estados Unidos, passei dois meses visitando escolas, de leste a oeste, e fiz um curso em San Diego. Tenho uma lembrança muito boa, do tempo que trabalhei com seu pai. Foi extraordinário!  Sempre que posso conto a história dele, do que ele fez, acho muito importante. Mas é pena que a história oral se perde. Temos que registrar.

Você deve ter um grande orgulho de ser filho dele.  Eu apenas continuei o trabalho dele quando assumi. Tenho guardado o discurso dele, o meu e o do Lacerda, de quando assumi a secretaria.

2ª PARTE

MÔNICA: Começando hoje, dia 10 de julho, com a professora Terezinha Saraiva, a segunda parte dessa conversa sobre Educação. Gostaríamos de saber mais sobre a sua história. Onde você nasceu, quando nasceu, quem eram seus pais, se havia professor na sua família, qual foi sua inspiração de Infância para seguir esse caminho da educação?

Nasci no dia 7 de maio de 1925. Meus pais se chamavam Renato Tourinho e Maria Albertina de Moraes Tourinho. Ela era professora primária e me alfabetizou em casa. Quando fui para a escola, já entrei na segunda série do ensino primário, que naquele tempo tinha cinco séries. Fiz o primário e ao final, durante dois meses, participei de um curso de admissão para o Instituto de Educação, com uma professora amiga de minha mãe chamada Armanda de Souza. Fiz o concurso para o Instituto, que naquela oferecia 250 vagas, sendo 50 para rapazes.

 Qual era a sua idade naquele momento?

Eu tinha dez anos e meio quando fiz o concurso. Cursei as cinco séries da escola primária, na verdade quatro, pois já entrei na segunda-série. Fiz o concurso para o Instituto de Educação em 1934 e passei em 34º lugar.  Eu era tão pequena que lembro bem até da roupa que usei. Chamava-se camisola, era uma roupa que tinha um corte alto, soltinho. Quando passei, fiz um exame de saúde. O médico se chamava Dr. Pontual. Eu tinha um metro e vinte e quatro e pesava 26 quilos. Era uma menina!

Você realmente era mais nova que a restante da turma, porque já tinha entrado adiantada desde o início.

A idade mínima era 11 anos, mas eu tinha 10 e meio. Eu fiz 11 anos depois de estar no instituto.  

 Abriram uma exceção?

Eu me lembro que, quando entrei, eu era tão pequena que as pessoas iam à minha sala olhar para mim. Mas fiz os cinco anos ginasiais no Instituto de Educação. Naquela época eram cinco anos ginasiais, um ano complementar e dois de formação de professores.   Em 1942, quando eu tinha 17 anos, o secretário convocou as professorandas do Instituto para trabalhar, porque havia falta de professores. Então eu comecei a trabalhar aos 17 anos. Nós fomos contratadas como extras no horário mensalista e ganhávamos uma quantia bem pequena na moeda da época. Fui trabalhar em Jacarepaguá, na Escola Evaristo da Veiga. Nós trabalhávamos de manhã e estudávamos à tarde no instituto.

Mas não era perto, o Instituto fica na Tijuca! 

Nós íamos trabalhar na parte da manhã e íamos para o Instituto à tarde, para complementar a fase de formação.

Trabalhei nessa escola de julho de 1942 a dezembro de 1943, quando eu formei. Muitas colegas trabalharam depois comigo. Lamentavelmente todas elas já partiram [faleceram], mas mantivemos a amizade.

Vocês mantiveram contato com a vida toda a vida, essas colegas de Instituto?

Algumas trabalharam comigo por muitos anos. Hoje esse grupo não existe mais, lamentavelmente. Depois de formada, em 1943, eu fui Zona Rural, era obrigatório. Fui trabalhar em Campo Grande. 

Depois de completar a formação era obrigatório dar aula, por um período, na área rural?

Era obrigatório, por dois anos. Fui para Campo Grande, na escola João Proença. Lembro que era uma maratona para chegar lá, porque só havia trem elétrico até Bangu. Eu saía de casa, na Tijuca, às cinco e meia da manhã, e ia até a Central de bonde. Lá, tomava o trem, saltava em Bangu e pegava o Maria Fumaça. 

O trem a vapor?

Não tinha nem lugar para sentar, eram poucos bancos. Tinha uma parte vazia no meio, entrava gente com trouxa de roupa, animais, tudo. Era janeiro de 1944.  Eu ia nesse Maria Fumaça até Campo Grande. Quando chegava lá tomava café num bar, pegávamos um bonde para chegar mais perto da escola e subíamos uma ladeira enorme até chegar.

Pegava quatro conduções e ainda andava a pé?

Era uma escola nova, mas não tinha nem bica d’água ainda. As crianças se sentavam em caixotes. Era uma escola primária. Sempre trabalhei com alfabetização, gosto muito. Depois de dois anos eu pedi transferência. 

Conte um pouco sobre a experiência de trabalhar com crianças de uma área rural, que na época que era tão isolada?  Como era para eles ter uma professora?  Como era essa relação? Seria interessante contar.

Evidentemente eu me lembro, mas não tenho nada que me marcasse tanto. Tanto a escola de Jacarepaguá quanto a de Campo Grande eram frequentadas por crianças comuns.  Naquela época, a classe menos favorecida não tinha vez na escola.

Então eu pedi transferência. Não havia ainda a remoção de professores por pontos, o que foi criado no governo Carlos Lacerda.  Era uma coisa perfeita, transparente.  Vou falar sobre isso depois. Veja bem como é a vida. Fui transferida, no Diário Oficial, para a escola Alberto Barth, no Flamengo, e no dia seguinte para a Escola Heitor Lyra, no Morro do Salgueiro.  Eu escolhi a do morro do Salgueiro.

Como você conseguiu duas transferências?

Não pedi duas transferências, mas foi o que me deram.  Escolhi a do Morro do Salgueiro que foi o norte da minha vida. Nessa escola eu trabalhei 15 anos. Eu considero uma das mais belas experiências da minha vida e talvez um dos melhores trabalhos que eu tenha feito. 

Cinco anos depois que entrei fui subdiretora, logo depois diretora da escola. Como já contei a vocês, foi lá que conheci o futuro governador Carlos Lacerda. Depois disso, como recebi o candidato ao governo, fui informada que seria transferida para outra escola. Mas antes que isso acontecesse, fui requisitada pelo professor Carlos Flexa Ribeiro para participar de um grupo de trabalho chamado Grupo de Expansão. Éramos seis pessoas entrevistando todas as professoras de escolas primárias da Guanabara, com a planta da escola. Estudando a distribuição, nós conseguimos admitir 35 mil crianças das 100 mil que estavam fora da escola. Logo depois, o Professor Flexa Ribeiro me chamou e disse que o governador pediu que eu fosse ao Serviço de Treinamento de Menores, que era ligado, àquela época, à secretaria de Educação.  Logo depois o serviço foi transferido para a secretaria de Serviço Social, que a Sandra Cavalcanti assumiu.  

Então estudamos tudo, visitamos os colégios internos que eram pagos pelo estado, fiz um relatório e entreguei ao professor Flexa.  Ele disse:

- A senhora está nomeada para ser chefe do distrito educacional.  

Fui ser a chefe do distrito educacional de Jacarepaguá. Depois disso, foram criadas as administrações regionais pelo Hélio Beltrão, que era secretário do Carlos Lacerda. Eles criaram a função de diretora da Divisão de Educação e Cultura em cada administração regional, e o governador me nomeou para Jacarepaguá, que, naquela época, tinha dois distritos educacionais. Eu chefiava o 20º e a Heloísa Torqueto  o 21º. 

Fiquei então responsável pela Educação e Cultura dos dois distritos. Nesse momento consegui mais 10 terrenos para construir escolas. Em junho, fui chamada pelo professor Flexa para assumir o Departamento de Educação Primária. O Antônio Carlos Amaral Azevedo, que era o diretor, passou a trabalhar com o Flexa Ribeiro na Secretaria e eu assumi o Departamento. Foi a época do primeiro censo escolar que eu coordenei.

Eu gostaria que você contasse um pouco sobre o Censo Escolar. Como foi a idealização e quais os resultados?

Foi uma das coisas mais interessantes que se fez, e eu repeti quando fui secretária municipal, dez anos depois.  A Lei n° 4.024, de Diretrizes e Bases, determinava um levantamento da população em cidade escolar.  Então, pegou-se o Censo Escolar. Hoje existe o Censo Escolar feito pelo INEP, mas os nossos, na época do professor Flexa e quando fui secretária novamente, era um censo mais direcionado, porque levantava nome e endereço de quem não estava na escola. 

E quais foram resultados desse mapeamento?

Depois disso visto, a essa altura já tínhamos tantas escolas construídas pela fundação Otávio Mangabeira, algumas ainda existem. A oposição dizia que as escolas não iriam durar, mas estão de pé até hoje. Eram escolas rapidamente fabricadas. Então já se tinha uma rede escolar maior quando foi decretada a obrigatoriedade escolar pelo governador.

Isso no Estado do Rio, não era obrigatório no Brasil?

Não, só na Guanabara. Criou-se a figura do inspetor da obrigatoriedade escolar. Algumas professoras foram afastadas da turma e preparadas.  Elas iam pelas fichas do censo que diziam onde havia crianças que não estudavam, para trazê-las para a escola.  Com isso nós cumprimos a obrigatoriedade escolar. Esse foi um grande trabalho.

Houve alguma resistência da população?  Fico pensando, como na Revolta da Vacina, quando se impõe alguma coisa as pessoas tendem a resistir.  

Quando refiz o censo dez anos depois, como secretária municipal do Rio, do Marcos Tamoyo, eu acrescentei outras perguntas. Levantei dados sobre crianças com problemas de deficiência, crianças que estudavam em escola particular, crianças que percorriam mais de 2 quilômetros para chegar à escola. Isso me permitiu, já em outra administração, criar o passe escolar e a Bolsa da Obrigatoriedade Escolar. No departamento de Educação Primária, fiquei responsável por todas as escolas primárias da Guanabara. Depois fui secretária de estado, quando o professor Flexa se desincompatibilizou para ser governador, na época do Carlos Lacerda.

Terminado o governo dele, fui trabalhar no IPEA, onde fui coordenadora da área de Educação do Centro Nacional de Recursos Humanos, ligado ao Ministério do Planejamento, que ainda funcionava no Rio.  Lá trabalhei de 1967 até 1972.  Em 1972, fui trabalhar no Mobral, cujo presidente era o Mário Simonsen. O Arlindo Lopes Correia, que era meu chefe no IPEA, foi convidado para o cargo de secretário executivo. Era uma pessoa muito talentosa e com ele aprendi planejamento. 

Fomos para o Mobral, onde fiquei até 1974, quando o Simonsen saiu para ser ministro. O Arlindo assumiu a presidência e eu assumi a secretaria executiva.  Antes, era secretária executiva adjunta, abaixo do Arlindo, no Mobral. Em 1974, saí do Mobral e fui trabalhar provisoriamente como assessora do Gilson Amado no Centro Brasileiro de Televisão Educativa. Mas logo se fundou o grupo da fusão dos dois estados e eu fui convidada a participar. Lá eu defendi ardorosamente a criação da secretaria municipal de Educação e Cultura. Não existia secretaria municipal, era um departamento. Lutei muito por isso, sem imaginar quem seria o prefeito, nem que eu seria secretária.

O Marcos Tamoyo foi convidado para ser prefeito – naquela época não havia eleição, estávamos no Regime Militar. E eu assumi a secretaria. Foi um momento de grande realização profissional. Fizemos um trabalho muito bom. Nessa época, nós nos antecipamos 13 anos em relação à Constituição, que determinou que os municípios assumissem. Nós assumimos todo o primeiro grau na área geográfica do município. 

No grupo da fusão, a Myrthes Wenzel, que era secretária do governo Faria Lima, fez questão de ficar com todos os equipamentos culturais.  O município ficou apenas com as bibliotecas regionais, que estavam em péssimo estado. Até o Theatro Municipal ficou com o estado. Fizemos uma administração muito boa, dando prioridade à Educação.  Ele aceitava todas as minhas proposições, foi um trabalho conhecido no Brasil todo, como foi também na época do Carlos Lacerda. 

Na época do Lacerda, recebi todos os secretários de Educação do Brasil para contar o que tinha sido feito. Depois, quando fui secretária municipal, de 1975 a 1979, também tivemos reconhecimento nacional pela ideia de assumir a educação do ensino fundamental e pré-escolar.

Foi um trabalho que lançou bases para coisas que ainda estão aqui até hoje, na estrutura da política educacional brasileira.  Uma coisa que o Pedro Flexa Ribeiro tem falado muito é o quanto a memória desse trabalho que foi feito nos anos 1960 e 1970, por esse grupo, não é lembrado. A que você atribui esse esquecimento?

Primeiro, eu sempre tive como princípio, em todos os meus trabalhos, registrar tudo o que fiz, porque eu acho que a memória oral se perde. Lamentavelmente, o governo Carlos Lacerda não registrou.  Acho que foi a única coisa que não foi pensada. É bom lembrar que o Lacerda saiu um mês antes: ele deixou o governo no dia 5 de novembro e o Raphael de Almeida Magalhães, que era vice-governador, assumiu até 5 de dezembro, quando o Flexa Ribeiro perdeu a eleição, o que foi uma coisa surpreendente. Porque o trabalho que o Carlos Lacerda tinha feito, sobretudo na Educação, dava como certo que ele seria eleito. Mas, lamentavelmente, não foi. No governo Tamoyo aconteceu a mesma coisa.  A Belita Tamoyo, sua viúva, se propôs a financiar um livro sobre o trabalho realizado no governo, mas apenas três secretários escreveram. 

Certamente você se inclui entre eles.

Eu, o secretário de Saúde e o outro não lembro. Do trabalho no governo Tamoyo nada se perdeu, porque entreguei tudo ao Arquivo da Cidade. No dia da inauguração, o Tamoyo entregou toda a documentação da prefeitura ao arquivo. Além dos documentos do governo dele, consegui resgatar muita coisa do governo Carlos Lacerda.  O assessor de imprensa do Carlos Lacerda também trabalhou comigo. Chamava-se Walter Conto (?), já faleceu. Ele foi assessor de imprensa de Carlos Lacerda, trabalhou na Tribuna da Imprensa com ele, eram muito amigos. Ele tinha um arquivo muito bom do governo. Quando Lacerda faleceu, sua viúva chamou o Mauro Magalhães, deputado, que está vivo e continua meu amigo até hoje, e doou para a Sociedade de Amigos de Carlos Lacerda.  Todo ano ele reza missa em 30 de abril, aniversário do Carlos.  

Esse arquivo doado pelo Mauro Magalhães já está no Arquivo Municipal?

Já. A presidente do Arquivo é a Beatriz Kushnir, muito minha amiga. Tem bastante documentos lá.

Hoje em dia está se rediscutindo a Base Nacional Comum Curricular.  Não é a primeira, mas já vem se falando disso há alguns anos. De que forma essa discussão está retomando alguns temas que já foram discutidos em outras épocas e que agora voltam?

Eu escrevi sobre isso para vocês. Quando assumi a secretaria do município, eu visitava muito as escolas, e percebi que o professor e o aluno não eram mais aqueles que conheci dez anos antes. Cheguei na secretaria e disse vamos nos reunir. Eu tinha uma estrutura em parte destinada a isso. Vamos escrever as bases para o ensino fundamental. Então, em 1976, o município do Rio de Janeiro escreveu as primeiras bases de orientação para o currículo das escolas de ensino fundamental e pré-escolar, por disciplinas e por ano. Fomos precursoras.  Agora, nós evidentemente atuamos no município, mas eu acho que isso é uma ideia importante para o Brasil. Nós não nos ativemos apenas em fazer as bases e entregar. Nós preparamos as pessoas para utilizar a base.

Houve um programa de capacitação?

Isso. A minha preocupação com as bases, agora, é a implantação. Se bem que o ministério, na gestão anterior, no governo Temer, criou um programa de apoio à implantação da base nacional curricular. Não sei se isso continua. Mas essa ideia nós tivemos em 1976, quando eu percebi que, pela Lei nº 5.692, as pessoas não foram capazes de criar um currículo pleno. Nós preparamos. Está tudo no Arquivo da Cidade.

Pouco antes disso houve o plano das classes experimentais, antes da lei de 1971.

Se não me engano, é de 1959.

Como foi essa experiência?

Eu não vivi essa experiência. Depois tivemos uma transição. Saímos da escola e fomos para a secretaria.

No colégio Andrews houve um período em que foi feita essa mudança?

Sobre isso não posso responder.

No geral, qual você entende que foi o legado do governo Carlos Lacerda, nesse campo da educação especificamente?

Está tudo escrito no documento que entreguei a vocês.

Depois disso que outros cargos públicos você exerceu?

Quando deixei a secretaria de Educação, em 1979, fui trabalhar na diretoria de Desenvolvimento Social do Sesi do Rio de Janeiro. Em 1981, fui convidada pelo ministro Rubens Ludwig para assumir, em Brasília, a secretaria de Educação Básica.

Era a secretaria Nacional, não é?

Sim. Lembro que o Tamoyo ficou muito entusiasmado: “não deixe de aceitar”. Mas para mim era difícil ir para Brasília, por causa dos filhos. Fiquei viúva muito cedo, aos 47 anos, tinha três filhos, não pude aceitar. Fui convidada, por ele mesmo, a voltar ao Mobral, em 1981 como secretária executiva. Uma coisa interessante que não mencionei no documento foi que ele pediu, além da alfabetização de adultos, que eu tentasse fazer um programa pré-escolar. Implantei, no Brasil todo, um programa de pré-escolar, sem ser um programa formal. Criamos espaços que atendiam às crianças de acordo com as possibilidades do lugar, alguns mais ricos que outros. 

Em 1982, Hélio Beltrão, meu velho conhecido do Governo Lacerda, era ministro da Previdência e Assistência Social e me convidou para ser presidente da Funabem.

Um desafio e tanto!

Eu fui. A sede era no Rio. Foi uma experiência nova na minha vida, marcante.

Mais na linha de ressocialização?

Muito sofrida. Porque a Fundação Nacional tinha como objetivo repassar recursos para todos os órgãos que cuidavam de crianças com problemas. Existia um centro piloto, em Quintino, um pouco na Ilha do Governador, e três escolas em Minas do Carmo, Caxambu e Viçosa.  Nesse centro piloto eram desenvolvidas ideias novas, projetos novos, que eram levados para todo o Brasil.  De resto, era repassar recursos.  Quando cheguei lá, vi que no passado nem se sabia se os recursos eram aplicados. Visitei o Brasil inteiro e criei, em cada estado, uma representação da Funabem. Pela primeira vez houve supervisão e planejamento. 

Até então se repassavam os recursos mas não se sabia se estavam sendo aplicados em benefícios dos menores?

Antes de eu assumir, quem esteve à frente da Funabem por muito tempo foi o Mário Altenfelder. Ele já morreu, era paulista, fez um trabalho muito bonito, desde a fundação, em 1964.  Foi o primeiro presidente, durante muitos anos.  Depois houve outros presidentes, políticos, então as coisas estavam meio paradas. Eu disse ao Hélio: “vou fazer um relatório em 30 dias, para dizer se temos condições de mudar ou se fechamos”.  Eu tinha visitado as casas e fiquei horrorizada com o que acontecia. Criei, então, um programa de Educação junto à Assistência Social, de modo que não tínhamos só as aulas dentro das escolas da Funabem – coloquei as crianças da Funabem nas escolas públicas. Foi um trabalho muito bonito. Fiquei lá de dezembro de 1982 a março de 1985. Comemoramos os 20 anos com uma festa belíssima, com a presença do ministro, que já era o Jarbas Passarinho, com quem eu tinha trabalhado no Conselho Federal de Educação.  Fui do Conselho Federal de Educação por dois mandatos, e dos Conselhos Estaduais da Guanabara e do Rio de Janeiro.  

O trabalho na Funabem foi sofrido. Eram pessoas piores do que aquilo que eu já conhecia.  Se bem que havia uma aura na Funabem que não era verdadeira, porque o menor percentual era de infratores.  A maior quantidade era de pobres, de carentes. Nós tínhamos três casas para menores infratores. Nelas, vi coisas incríveis, assisti os rapazes quebrando os vidros e degolando inspetores. Assisti coisas dificílimas, mas fizemos um belo trabalho lá.

Depois dessa experiência tão difícil você ainda acredita que a educação pode socializar um menor infrator? 

Claro! E esse meu trabalho lá foi, exatamente, colocar como carro-chefe a Educação.  Eu consegui fazer um convênio com o Colégio Pedro II, o diretor Wilson Choeri, que era um grande amigo meu, e os menores faziam o Ensino Médio no Pedro II. Essa visão da Educação mudou completamente aquilo. Bom, de lá saí em 1985, com a mudança do governo, e fui trabalhar no Sesi, de 1985 a 1990. Do Sesi, fui para a Fundação Roquette Pinto, que era o antigo Centro Brasileiro de TV Educativa.  Fui ser diretora de Tecnologia Educacional. Lá fiquei de 1990 a 1995 e criei o primeiro programa interativo de televisão para capacitação de professores de ensino fundamental. Capacitamos um milhão de professores no Brasil inteiro.

O programa se chama “Um Salto para o Futuro”.  Foi um programa vitorioso.  Juntei várias mídias. No documento que entreguei a vocês eu não contei em detalhes, mas é muito interessante. Marcou muito a minha vida, porque foi a primeira experiência de televisão interativa.

Como funcionava?  As pessoas telefonavam?

Nós fazíamos o programa ao vivo. No segundo bloco, ouvíamos perguntas que vinham do público. Depois aperfeiçoamos e aparecia, inclusive, a pessoa perguntando. O programa tinha uma hora de duração, às 8 horas da noite, para o Brasil todo. A primeira parte era conceitual e a segunda, perguntas e respostas. Os professores iam para uma sala e continuavam, pelo telefone e pelo rádio, recebendo perguntas e dando respostas.  Eu mandava diariamente, para cada núcleo de estado, um jornal com a matéria que ia ser tratada. 

E esse programa era todos os dias?

De segunda a sexta. Em cada estado, criei uma representação. Criei também o cargo de orientadora educacional. As turmas tinham, diante delas, uma professora para trabalhar depois do programa, para tirar dúvidas.

Durou quanto tempo?

Até hoje está no ar, agora na TV Brasil.  Em 1995, com o governo Fernando Henrique, foi criada uma TV educativa no MEC e o programa passou para lá.  Eu tinha outros programas de Educação, mas foi esse que deu certo. Fomos aperfeiçoando. Depois, criei o momento Faça e Refaça, com uma professora ensinando a fazer materiais pedagógicos simples, feitos na hora, diante da assistência. 

Depois disso foi que você veio para a Fundação Cesgranrio?

Já vim três vezes para cá, e nos intervalos o Carlos Alberto Serpa dizia: 
“tem uma cadeira para você aqui, venha trabalhar comigo”. Eu vinha, trabalhava um pouco, ia para outro cargo, saía.  

Terminado o trabalho na Fundação Roquette Pinto, em 1995, fui trabalhar na MultiRio, que era uma empresa da prefeitura cuja presidente havia trabalhado comigo no Mobral.  Ela morreu ano passado, a Cleide Ramos.  Trabalhei como sua assessora até sua saída, em 2001.  Antes disso, o Serpa me chamou e vim para cá, onde fiquei continuamente desde 2001.

Ou seja, é um trabalho ininterrupto desde os 17 anos de idade.  Não houve um momento em que você se aposentou e depois voltou. Se aposentar que eu digo é parar de trabalhar.

Quando o governo Carlos Lacerda estava acabando ele ligou para mim e me convidou para participar dos comícios.  Participei, também de programas na TV Rio. Correu tudo muito bem e não se esperava que o Flexa perdesse. Mas o Carlos Lacerda me ligou e falou: 

- Perdemos, não conseguimos fazer a sucessão, e estou ligando para dizer que a senhora peça aposentadoria. 

- Mas, governador, eu tenho 40 anos!  Ainda, sou moça, adoro trabalhar.

- Mas a senhora não vai poder ficar. A senhora se expôs muito. Embora não seja política, a senhora vai ser perseguida, e eu não desejo isso.

Eu tinha 23 anos de serviço e não tinha tirado nenhuma licença especial.  Pude contar em dobro, fechei os 25 e pedi aposentadoria. Aí aconteceu uma coisa terrível: no ano de 1966 eu não consegui me empregar em lugar nenhum.

Como ele previu.

Lembro que fui procurar o Raimundo Muniz de Aragão, ministro, e ele me disse o seguinte:

- Professora, eu conheço seu trabalho, mas a senhora é muito amiga do pessoal do governador Lacerda. 

Eu não consegui me empregar em lugar nenhum por causa da relação de amizade que tinha com o governador.

Neste momento o Carlos Lacerda já estava sendo perseguido pelo governo? 

Ele estava já contra o governo. Fiquei um ano inteiro sem conseguir trabalhar. Foi quando o Hélio Beltrão assumiu o Ministério do Planejamento.

Então, no momento que você parou foi simplesmente por uma questão política, não por sua vontade.

É, tanto que não parei até hoje.

Então, para terminar, queria que contasse um pouco o trabalho que está fazendo hoje na Cesgranrio.

O projeto irá completar 15 anos em outubro. Eu vim como assessora do professor Serpa. Em 2003, ele me disse que queria fazer um projeto social. Eu disse: “nessa área, meu filho é melhor que eu”.  Ele era engenheiro, mas nunca trabalhou em engenharia: Cláudio Tourinho Saraiva, já faleceu. Ele trabalhou muito tempo em... (gravação interrompida)

Então ele veio como assessor do Serpa e criou o projeto Apostando no Futuro, que é um projeto social local com uma metodologia diferente. O projeto não foi imposto.  Primeiro nós fizemos uma análise situacional, um diagnóstico, para conhecer as comunidades escolhidas pelo Serpa, que rodeiam a sede da Fundação: Paula Ramos, Vila Santa Alexandrina, Parque André Rebouças e Escadaria. São cerca de dois mil moradores. Fizemos a análise situacional e perguntamos aos próprios moradores quais eram as ações que eles achavam prioritárias.  Meu filho criou o projeto, respondendo ao que eles queriam.  Essa é uma das vitórias. E criou coisas que os demais projetos sociais não fazem, como a supervisão diária. Contratamos três supervisoras universitárias, da PUC e da UERJ, que fazem supervisão diária.  Essas pessoas foram treinadas, criamos alguns documentos, são feitas visitas. Na minha coordenadoria, uma das minhas quatro técnicas é coordenadora de supervisão.  Então, além da visita diária das universitárias, a Heloísa, que é a coordenadora de supervisão, visita uma vez por semana. Isso, então, é uma avaliação de mérito, para saber a qualidade do que estamos oferecendo.

Outro diferencial são as avaliações periódicas, já realizadas 19 vezes. Estamos fazendo a vigésima. A avaliação é para vermos o impacto na comunidade. O objetivo do projeto é melhoria da qualidade de vida dos moradores, que acompanham e avaliam periodicamente o que estamos fazendo.  A outra ideia dele foi a seguinte: como não havia, no corpo da casa, professores para o que íamos fazer, nós contratamos ONGs de renome, com expertise.  Hoje trabalham duas conosco o Inep, uma instituição brasileira mundial e a Solazer , uma instituição cujos profissionais são pagos por nós, mensalmente, mas sem vínculo empregatício com nenhuma das duas instituições. O projeto é totalmente financiado pela Cesgranrio.  Nós gastamos cerca de 10 milhões por ano com esse projeto de excelência.

Depois que meu filho faleceu, eu assumi a coordenação. Lancei o Profissão do Futuro, que é um projeto da própria Cesgranrio.  Ele dizia: na área social é muito difícil ter solução. Você tem ganhos sociais e nem percebe.  A metodologia que ele criou permite que façamos isso.  Uma das avaliações que nós fizemos foi um censo, com base na minha experiência. Tenho uma radiografia completa dessas comunidades. Tivemos vários ganhos. Um deles é na Educação. Pouquíssimas pessoas não estudam.  Nós oferecemos atividades nas áreas de Educação, Saúde, Esporte, Lazer, Cultura, Qualificação Profissional, Complementação Alimentar, Assistência Social. Em uma das questões, eles responderam que queriam receber informações de seu interesse.  Criei um jornal chamado O Progresso, que já está no nº 51.  Meu filho Cláudio criou uma figura interessante, os parceiros voluntários, que fazem ações culturais. O jornal é impresso em quatro cores pela Folha Dirigida, jornal que é um de nossos parceiros voluntários, assim como o Colégio de Aplicação da Uerj, onde nós temos o cinema Profissão do Futuro, toda semana.  Os moradores vão de ônibus, é perto, com saquinho de pipoca, refrigerante. O auditório é uma tela panorâmica, acarpetado. Consegui há cerca de três anos uma lan house para fazer um espaço de inclusão digital. Temos uma frequência de quase duzentas pessoas por mês. Fazemos atendimentos, outra ideia dele. Ele dizia: “nosso objetivo são as crianças, adolescentes e jovens, mas vamos atender as famílias”.  Porque não conseguimos ganho social se não atingirmos a família. Então atendemos de dois a oitenta anos. Também oferecemos uma infinidade de atividades.  Alugamos as dependências do Clube Ginástico Desportivo, porque a comunidade não tinha espaço.  Pagamos o clube, que tem piscina, quadra de tênis, ginásio poliesportivo.  O Senac do Rio de Janeiro é outro parceiro voluntário onde fazem cursos de qualificação profissional. Temos a rede própria de cursos, temos o CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), temos a Ordem de Malta, que nos ajuda pontualmente, e além das atividades diárias, temos festas comemorativas para agregar as famílias. 

São muitas iniciativas.

- Sim, é muito bonito o projeto. Hoje eu subo muito pouco até as comunidades por causa da dificuldade de locomoção. Após o falecimento do meu filho tive um problema neurológico nas pernas, mas continuo tentando fazer aquilo que ele fazia.

Uma vida dedicada realmente à educação.













 

 


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